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Entre assentar e refazer-se

Assentamento (2013) é um dos trabalhos mais recentes da artista visual, pesquisadora e educadora paulistana Rosana Paulino (primeira mulher negra doutora em artes visuais). Sua obra se orienta, especialmente, ao entendimento do lugar social e simbólico da mulher negra na sociedade brasileira.

Aqui Paulino utiliza fotografias científicas feitas no Brasil (século XIX) pelo fotógrafo Auguste Stahl (a pedido do zoólogo Louis Agassiz), com objetivo de comprovar a teoria racista de superioridade da “raça pura”/branca. Subverter funções e materialidades é um movimento que a artista faz em quase todos os seus trabalhos — modificando o sentido e construindo novos significados. Em Assentamento, a partir de um “refazimento”, Paulino subverte a objetificação imposta a esse corpo, a própria fotografia e a ideia de Agassiz, que acaba por registrar aqueles que contribuíram à fundamentação da cultura brasileira — os que assentaram aqui a sua força.

As raízes são uma referência ao assentamento dessa cultura que foi violentamente transportada ao Brasil e, ainda assim, consegue refazer-se e enraizar-se nesse território (crédito da foto: Isabella Matheus)

Ampliada à escala humana, a mulher é recortada e reunida de forma imprecisa a partir de uma costura aparente, tal como é impossível suturar uma sociedade cindida pelas intervenções coloniais. Não há cura para o que foi rompido, mas a artista lhe devolve um coração e humaniza essa mulher objetificada por uma ciência racista.

Paulino lhe devolve um coração e com ele a dignidade de uma subjetividade (foto: Isabella Matheus)

Com uma trajetória artística comprometida a desvelar a falsidade da democracia racial brasileira, expõe a formação do Brasil e confronta um país que não pensa a diferença e detesta as fricções. Busca uma outra genealogia, mas reivindica o reconhecimento contemporâneo e vem abrindo caminho para uma nova geração de artistas afrodiaspóricos (é mestra e mentora de muitos). Rosana Paulino não nos dá outra opção que não a de, finalmente, lidar com um passado cujas consequências ainda enfrentamos.

Imagem destacada: Assentamento, 2013 (foto: Cláudia Melo)