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Paisagens e materialidades

Aproveitando que falei de um dos meus interesses de pesquisa no último texto, voltei dessa vez pra compartilhar um outro tema que me interessa bastante: experiências que acontecem na fronteira entre arte e arquitetura. Trago então dois projetos do escritório carioca Grua Arquitetura: cota 10 (2015) e a praia e o tempo (2018). Duas experiências artísticas/arquitetônicas efêmeras que estabelecem uma relação muito sensível e potente com o território.

cota 10 foi uma das referências do meu trabalho final da graduação em arquitetura e eu ainda me lembro da emoção quando descobri os nossos velhos conhecidos andaimes, tão comuns nos nossos cotidianos urbanos, transformados em uma escada-convite. Instalada na Praça XV no centro do Rio de Janeiro, a estrutura irrompia o cotidiano e transformava temporariamente a paisagem oferecendo um convite para um atípico deslocamento vertical até a (vista da) Baía de Guanabara. 

cota 10

Viver na cidade nos permite tão pouco tempo de contemplação e atividades – e deslocamentos – sempre tão repetitivas que me pareceu pura poesia poder encontrar uma paisagem temporária (a instalação durou 1 semana) construída por elementos temporários (que logo se separariam) que se transformavam numa espécie de espaço-tempo de pausa para observação de um outro lugar.

cota 10

Poesia também porque a instalação evocava (a partir da memória) um contraste com a materialidade de uma estrutura que por algumas décadas foi um dispositivo de conexão viária daquela cidade e que havia sido demolido entre 2013 e 2014: o elevado da perimetral. cota 10 não só foi implantada no mesmo trecho onde se erguiam um dos pilares que sustentava o viaduto, como também na mesma altura da bandeja da perimetral: um espaço que dessa vez oferecia, através de uma frágil estrutura vazada (se comparada a agressividade da antiga estrutura anterior) um espaço para o transeunte – e não para o carro, para a aceleração…

cota 10

Deslocando-nos agora para a praia e o tempo, também reconheci aqui um diálogo que me parece quase afetivo da materialidade com a paisagem. Para este trabalho – realizado para o TEMPO FESTIVAL – o escritório explica que o projeto se deu a partir das ações de demarcação e reposicionamento: demarcaram uma área ao instalar uma estrutura metálica quadrilátera – que também servia de suporte para o público – e reposicionaram a areia construindo uma outra paisagem topográfica.

a praia e o tempo

Pensemos na praia como um território de convivência irrestrita, “lugar de ócio, trabalho, encontros, sexualidade, repressão, sono, jogo” (Grua Arquitetura). É uma verdadeira experiência de impermanência. Mesma experiência despertada pela própria instalação.

Performance da coreógrafa francesa Julie Desprairie
a praia e o tempo

Causou-me muito interesse também perceber a possibilidade de uma coreografia do espaço. Uma relação com uma materialidade maleável (a mesma onde assenta a estrutura) não a partir de uma tentativa de controle, mas de uma transformação constante durante a existência temporária daquela estrutura. Uma materialidade que se torna um registro efêmero do que ali vai acontecendo. Um registro de rastros da participação das pessoas naquele espaço.

a praia e o tempo

Lembrei-me de quando Lucy Lippard coloca a land art como uma interação com o território a partir de uma sobreposição violenta a ele. Aqui, ao contrário, me parece que as propostas seguem numa espécie de fusão com o espaço. Os projetos permitem uma experiência espaço-temporal a partir de uma estrutura estranha aquele cotidiano, mas que dialogam com o território. Não só porque visualmente são estruturas vazadas (e é tão interessante ver o entorno através da cota 10) ou porque estabelecem uma relação de transformação da paisagem, mas porque o território também são as pessoas e o convívio neste espaço e aqui ambos convocam uma dimensão pública, sensorial e afetiva do espaço e afirma uma capacidade da arquitetura atuar num espaço físico, social e político do encontro, que acolhe ao mesmo tempo que transforma-se (principalmente no caso da praia e tempo).

Imagens: Grua Arquitetura

 

 

1 thought on “Paisagens e materialidades”

  1. Excelente texto e lindas referências! Me fez refletir sobre como a arte, associada àarquitetura, pode atuar como válvula de escape em um ritmo urbano cada vez mais massacrante. É preciso valorizar e retomar essa união, sair do cubo branco, ocupar os espaços de vivência e de afeto…!

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