Por Roberta Stubs
Sou corpo afeito a conexões. Minha pele, maleável e toda composta de aberturas. Sei-me híbrida, e isso só me aumenta. Sigo tomada por um desejo de metamorfose. Passo a andar pelo mundo com sede de senti-lo tão completamente a ponto de perder os meus sentidos.
Projeto-me na paisagem já sabendo que ela me penetra e se funde a minha carne que treme a cada toque sensível daquilo que meu olho vê, dos cheiros que meu corpo devora.
Em cada lugar um tempo diferente passa; em cada localidade, uma luz, um vento, uma história vibra e faz vibrar minha pele, deixando rastros e resquícios em todos os orifícios sensíveis desta superfície porosa que sou eu.
Um mesmo e outro corpo nascem e morrem a cada toque, a cada encontro.
Agora sou a paisagem que meus olhos observavam atentos. Agora sou mundo, sou vasta e contenho multidões (1) . Marco minha posição no espaço e faço rizoma. Dou passagem ao múltiplo fazendo a paisagem atravessar meu corpo e delinear contornos e relevos de luz em minha pele. Percebo que há apenas uma pele sensível entre as coisas.
É esta superfície sensível que se coloca entre o corpo e o mundo, e entre tantas outras demarcações de limites entre uma coisa e outra. Meu corpo é essa superfície sensível que cria um tênue limite sem rastros de separação.
Percebo que a distância não separa, mas cria um espaço para proliferações. Quero ocupar esses espaços e criar outros abertos como esse. Desconstruo-me sem me perder, já me nascendo outra.
Tomada por um sentimento de mundo saio por aí fazendo rizoma, deixando que os mais diversos relevos imprimam camadas de tempo em minha pele; deixando que cavem profundidades sensíveis que só façam transbordar minha capacidade de expansão.
Nesse devir, sou tomada por fluxos que me singularizam, que me tocam e se ramificam em tramas sensíveis e afetivas. Afetar e ser afetado.
Acostumamo-nos a pensar que nos corpos existem entidades: sexualidades, doença mental, valores. Mas os corpos são puras relações de forças, um imenso campo intensivo todo disposto a transbordamentos. Quando descubro que meu corpo pode mais, mais e sempre mais do que me fizeram acreditar a vida toda, apodero-me das minhas forças e cresço em vitalidade.
Vou sair gritando que somos grandes, que somos nada e tudo ao mesmo tempo.
Vou transbordar em praça pública, gozar coletivamente a potência de viver. Quero irradiar força até derreter o que nos amarra por dentro e por fora, o que se instala entre o que eu sou e o que eu posso ser.
As linhas que me dissociam do mundo viram nuances e traços sutis que nada possuem de separação. Pequenos pontos de apagamento se insinuam em minha pele e geram dobras nessa superfície porosa que não se cansa de fazer-se outra. Sou corpo em devir, feita de luz, vento, céu e mar.
Não preciso de nome, sobrenome, nem marca registrada. Encontro-me em conexão profunda com as forças do mundo e são elas que me definem assim, sem definição acabada. Sou corpo refeito que se escreve no plural e que não teme a aventura de criar-se.
(1) Referência ao poema Folhas de relva de Walt Whitman (1990)
Imagem destacada: Roberta Stubs, sem título, 2018