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Arquitetura, espaço e poder

O que dizem da gente os espaços que habitamos? De que maneira esses espaços refletem nossos modos de vida? Para além do exercício técnico, a arquitetura tem um papel fundamental na construção dos nossos hábitos e na forma como ocupamos e compartilhamos espaços e ela também pode ser uma ferramenta para entendermos nossa sociedade.

Em Habitaciones de servicio (2011) Daniela Ortiz trabalha com a mesma temática que conversamos no penúltimo texto sobre 97 empleadas domésticas (2010), mas dessa vez a partir de um outro elemento: o espaço.

Habitaciones de servicio, 16 fachadas das casas que formam parte do projeto (foto: àngels barcelona)

Neste projeto Ortiz nos apresenta uma análise arquitetônica de 16 casas de classe alta limenha construídas entre 1930 e 2012 a partir da comparação dos “quartos de serviço” (sempre espaços diminutos) com os demais ambientes a partir das plantas baixas.

Além desse elemento da prática arquitetônica, a artista também utiliza as fachadas e o currículo dx arquitetx que projetou a casa. Podemos pensar que aqui há uma clara responsabilização de quem projeta esses espaços, concorda? O que dizem os espaços que projetamos? De quais lugares partimos quanto tomamos decisões projetuais? Que discurso sustentamos? Como ocupamos? 

Habitaciones de servicio, 2011, Casa Gonzales (foto: àngels barcelona)
Habitaciones de servicio, 2011, relação de dimensões dos quartos de serviço (foto: àngels barcelona)
Habitaciones de servicio, 2011, breve biografía del arquitecto (foto: àngels barcelona)

Este não é, inclusive, o primeiro trabalho em que Ortiz parte da arquitetura para fazer uma análise de uma questão social estrutural. Em P1-P2 (2010) ela também propõe uma reflexão sobre a desproporção entre o espaço destinado ao público e os bastidores de uma loja em que trabalhava. Neste caso, por uma questão legal, as plantas não estão presentes visualmente, mas é um dos elementos que estrutura o projeto em seu conceito e visibiliza a questão.

P2-P2, 2010, pasta de alumínio (foto: àngels barcelona)

Em Habitaciones de servicio, o projeto é também acompanhado por um vídeo de uma empregada doméstica em seu primeiro dia de trabalho onde em uma das cenas somos apresentados ao quarto onde ela vai dormir (!). Mas afinal, em que contexto é natural dedicar 24h ao empregador? Conversando sobre esse trabalho em um grupo de estudos me lembrei do humor ácido do curta Recife Frio (2009), de Kleber Mendonça, que nos apresenta esse “quartinho” como uma verdadeira “instituição brasileira”. Como diz Preta Rara, “a senzala moderna é o quartinho da empregada”.

E, se seguirmos falando de Brasil, ainda que muitos projetos arquitetônicos recentes não incluam esse ambiente e suas condições impraticáveis de desconforto, o que você pensa sobre ampliarmos essa discussão proposta por Ortiz para refletir sobre outras conformações de espaço e costumes que afirmam esse lugar de subalternidade e que ainda são bem comuns por aqui? Por exemplo: a separação entre porta da frente e dos fundos (acessadas por sujeitxs diferentes); a separação entre elevador social e de serviço; a demanda por ocultar a cozinha e as áreas de serviço… há sempre uma necessidade de colocarmos as atividades de serviço e estxs trabalhadorxs num espaço oculto.

Pensar espaço é pensar por camadas e isso também implica reconhecer que existe entre elas deslocamentos, fluxo e tensão. É muito importante reconhecermos que estes são territórios em disputa para pensarmos de forma crítica nas relações de poder que os conformam, como estamos implicados nesse processo e como podemos interferir na transformação dessas estruturas (e ainda nem chegamos numa discussão dos espaços públicos).

Imagem destacada: Vista da instalação. Habitações de serviço, 2011, Meeting Points 7, Ten thousand wiles and a hundred thousand tricks (foto: àngels barcelona)